sábado, 30 de maio de 2015

Voltaire tinha razão
Walber Gonçalves de Souza

Manhã de sábado, um dia ensolarado, convidativo para uma prática esportiva. Ao fundo o gorjear dos pássaros e o som dos passos, daqueles, que ligeiramente transitam rumo aos seus postos de trabalho. Foi neste cenário que Voltaire, seguindo sua rotina, despertou-se, levantou-se, começou a preparar o café e quando este fervia, foi até onde está localizada a caixa de correios, para buscar os jornais que ele recebe todos as manhãs.  
                
Folheando as páginas dos jornais, enquanto saboreava sua refeição matinal, entre manchetes, notícias, fotos e artigos sentiu que faltava algo. Aquelas folhas transfiguravam incompletas, os tipos que ali constavam não demonstravam sentido. Parecia que o que esperava ler não estava ali.
                
Com a face demonstrando introspecção, passo a passo, caminhando vagarosamente, Voltaire, dirigiu-se rumo à janela, que fica de frente para a rua e ali em um ato solitário começou a observar tudo que suas vistas poderiam alcançar. As casas, os tipos de construções, as cores... em alguns momentos os efeitos da memória resgatava os tempos idos e as intermináveis comparações temporais eram inevitáveis. O que no passado era sim, hoje não é mais, o que estava vazio, hoje está cheio... o espaço de visão era aberto, hoje as brechas entre paredes, criam um labirinto para o olhar.
               
Envolto pelos raios solares, que começavam a invadir a janela, observava o vai e vem das pessoas que transitavam pela rua, sendo que algumas deixavam o tempo passar em um momento de prosa. Balbuciavam sobre tudo... como seria o tempo no final de semana, os resultados dos jogos do brasileirão, os casos de polícia e da política, em todos os seus âmbitos, de Brasília ao gabinete do prefeito, a agenda do fim de semana, as festividades de maio...
               
Quando tudo parecia calmo, voltou seu olhar para a Pedra Itaúna, e ficou admirando a beleza ímpar, proveniente daquela parede de pedra, que enfeita a cidade das palmeiras. Suas curvas, sua textura, a rala vegetação que insiste em querer fazer moradia no seu entorno, tentando fugir, ano após ano, das chamas que insistem em visitá-la. Às vezes o curso dos seus olhos contemplavam o céu e a imaginação fluía... mas sem que notasse estava novamente fixando-se naquela imensa pedra.
                
Assim, os sentidos não detectaram, que a rotação e translação terrestre iam completando suas jornadas, os segundos, os minutos... percorriam seu destino marcando suavemente o tempo... De repente um gato, de aparência vistosa, passa em um ritmo apressado, parecia estar fugindo de algum perigo canino. Levando o olhar de Voltaire a desviar-se e logo em seguida encontrar um outro pouso... a beleza de um pássaro amarelo, o famoso canarinho, que já esteve ameaçado de extinção, mas que sobreviveu ao tempo e aos perigos das gaiolas, fazendo-se presente nos muros, fios, portões... que delimitam os contornos das ruas, formando a polis contemporânea.
                 
Fixando naquele ponto amarelo, ele foi envolvido pela melodia serena, que saia do bico daquele pequeno ser, em formas de ondas invisíveis mas que se tornavam audíveis. Foi aí que Voltaire lembrou-se do seu famoso homônimo. Neste momento, percebeu o que faltava nas páginas daquele jornal.


Walber Gonçalves de Souza é professor. 

terça-feira, 26 de maio de 2015

Minas Brasil: a cooperativa de não sócios
Walber Gonçalves de Souza

                Primeiramente, vamos esclarecer o que significa e qual a visão que se deveria ter de uma cooperativa. De acordo com o Dicionário Aurélio pode ser entendido como "empresa organizada e dirigida pelos usuários de seus serviços, visando o benefício destes e não o lucro". A Política Nacional de Cooperativismo foi regulamentada em 1971, e tinha por princípio que a "cooperativa é uma associação de pessoas com interesses comuns, economicamente organizada de forma democrática, isto é, contan­do com a participação livre de todos e respeitando direitos e deveres de cada um de seus cooperados, aos quais presta serviços, sem fins lucrativos." Mas antes disto, o Congresso de Praga, em 1948, dizia que "será considerada como cooperativa, seja qual for a constituição legal, toda a associação de pessoas que tenha por fim a melhoria econômica e social de seus membros pela exploração de uma empresa baseada na ajuda mínima (...)".
                De forma sucinta, percebemos então, que cooperativa é um grupo de pessoas, de sócios, que se organizam, que trabalham num mesmo tipo de serviço, com objetivo de diminuir gastos e melhorar economicamente e socialmente as condições dos seus membros, os sócios, partilhando deveres e logicamente o possível lucro.
                Em Caratinga, a exemplo do que acontece em vários outros municípios, o transporte escolar e de outros setores da prefeitura, ficou sob a responsabilidade de uma cooperativa. Aqui era denominada Cooperminas e que agora atende pelo nome de Minas Brasil. Com objetivo de diminuir gastos, de acordo com a justificativa do poder público, este serviço foi terceirizado, portanto, passou a ser prestado pela cooperativa em questão. Que deveria se enquadrar em todo o entendimento já exposto nos parágrafos acima.
                Mas pelo visto está acontecendo algo inusitado, que tentarei explicar, mas confesso que nem sempre consigo entender. Vejamos!
                O valor repassado, pela prefeitura para a cooperativa, por carro (Kombi), é do valor aproximando de 6,018,00 reais (seis mil e dezoito reais), valores de 2012 . Acredito que este valor tenha sofrido pouca alteração até os dia de hoje. Já o valor repassado para os cooperados pela cooperativa, em valores aproximados, gira em torno de 3,800.00 (três mil e oitocentos reais). Observamos portanto, um diferença de cerca de 2,200.00 (dois mil e duzentos reais), por carro. Sem esquecer que há outros tipos de veículos, como ônibus, vans, picapes, que apresentam valores mais elevados.
                Outro ponto que merece atenção está relacionado ao fato do repasse da prefeitura para a cooperativa ser feito em 12 parcelas, equivalente a uma por mês. Mas isto não acontece em relação aos cooperados. Eles nãos recebem o mês de janeiro e os respectivos dias de recesso, que acontecem durante o ano, como por exemplo, cito as férias do mês de julho. Os cooperados recebem em julho somente os dias trabalhados, mas a cooperativa recebe o valor integral da prefeitura.
                Façamos uma conta simples. Imaginemos que a prefeitura terceiriza 50 carros (kombi) durante o ano para atender os setores de transportes das suas secretárias de educação, saúde... A prefeitura repassa o total (aproximado) de 301 mil reais mês, cerca de 3 milhões e 600 mil ano para a cooperativa. Em compensação, continuando nossa contabilidade, a cooperativa repassa para os cooperados cerca de 190 mil reais mês, cerca de 2 milhões e duzentos e oitenta mil por ano.
                Assim, observamos que durante o ano sobrou cerca de um milhão e trezentos mil reais. Digamos que a cooperativa gastou, em despesas burocráticas, para ser a "ponte" entre a prefeitura e os trabalhadores cooperados cerca de 300 mil ano, que já é um absurdo, verificaremos que restou cerca de um milhão ano. E é justamente aí que as dúvidas aparecem.
                Vejamos algumas: para onde este dinheiro que sobrou vai? Onde é aplicado? Por que os sócios cooperados não recebem o rateio do lucro da cooperativa? Por que não recebem um valor mais aproximado do valor transferido pela prefeitura? Quem afinal de contas é o "dono" desta cooperativa? Por que ninguém oferece informações precisas? Por que os vereadores e o poder executivo não questionam o conteúdo do contrato? Onde está o ministério público, a polícia federal?
                Em apenas um mandato, que de acordo com as leis atuais dura 4 anos, cerca de 4 milhões (pela nossos cálculos simples) saem dos cofres públicos sem destino. Para satisfazer os interesses sabe-se lá de quem.
                Como cidadão, sinto que no Brasil, a corrupção, a cada dia, ganha ares de legalidade. Criam-se formas, leis, jeitos para acobertar a sujeira que é feita com o dinheiro público. E pelo visto estamos presenciando mais uma dessas formas, presos pela legalidade com que os cofres públicos são assaltados.
                Minas Brasil, a cooperativa de não sócios! Minas Brasil, uma cooperativa em que os cooperados não participam de nada, a não ser trabalhar e encher de dinheiro público o bolso de um "fantasma".


Walber Gonçalves de Souza é professor. 

sábado, 16 de maio de 2015

O espaço urbano ditando o comportamento humano

Ao tentar decifrar os seres humanos, geralmente tomamos dois caminhos: um, levando em consideração os aspectos natos, portanto biológicos, aqueles que estão impregnados no nosso DNA, nossa carga genética; já o outro, procura interpretar o ser humano, observando a sua relação com o meio em que vive, as influências que sofre, os desejos e as vontades que possuem e as experiências adquiridas ao longo da sua própria existência.

Isto não quer dizer que seja uma tarefa fácil. Acredito que nunca será. Mas são tentativas, de alguma maneira, de dar respostas a indagações que inquietam a humanidade, fazendo o ser humano, mesmo que vagarosamente, descobrir a si mesmo.
                
Dentro deste objetivo, de tentar colaborar neste processo de nos decifrar, e entre as várias opções de análise, focarei o olhar no espaço urbano e a partir dele refletir alguns dos nossos comportamentos.
               
Viver coletivamente, não é uma escolha humana, faz parte da nossa natureza. Por inúmeros motivos temos que viver juntos, criando relações, elos... grupos. Ao longo dos séculos, estes grupos, foram se aperfeiçoando, criando identidade, formando aldeias, tribos, comunidades, povoados, cidades... fazendo do espaço em comum, o local de encontro dos indivíduos, o local em que a vida se mistura com tantos outras vidas e forma a sociedade.
                
O espaço urbano, o espaço da vida em comum, é o meio, o lugar em que as influências acontecem, os pensamentos se emolduram, a existência se gasta. E como somos influenciados pelo meio, automaticamente, somos direcionados pelo espaço em que vivemos. Daí a importância de se cuidar das cidades, pois muitos dos nossos comportamentos nascem justamente de como ela é.
                
Muitas vezes, através de conversas entre amigos, expomos algumas situações que gostaríamos de ver acontecendo. Principalmente, quanto se trata da vida em sociedade. Mas será que nossas explanações são realizáveis? Analisaremos algumas situações que observamos com freqüência no dia a dia das nossas cidades:
                
- Andar pelas ruas em detrimento às calçadas. Geralmente, nas ruas que traçam as nossas cidades, principalmente, as pequenas e médias cidades, quase não observamos a existência de calçadas. Quando digo calçadas, digo calçadas mesmo, dentro de padrões aceitáveis de circulação de pessoas e não uma pequena faixa de terra coberta por uma fina camada de concreto. Quando olhamos para os bairros periféricos esta realidade se acentua ainda mais. As poucas calçadas que existem, são em sua maioria, irregulares, mal feitas, cheia de empecilhos para que os transeuntes circulem de maneira minimamente confortável e sem riscos de tropeços e quedas.
                
- Jogar lixos pelas ruas. Uma das frases mais ditas nos educandários, relacionados ao lixo é: "lugar de lixo é no lixo". Subentende que o lugar de jogar o lixo são nas lixeiras e não no chão. Mas andando pelas ruas, dos nossos municípios, poucas são as lixeiras encontradas. Nos bairros são praticamente inexistentes.
                
- Fazer a travessia na faixa de pedestre. Respeitar as leis do trânsito ainda não é uma realidade. Como já disse anteriormente, nossas ruas não ajudam muito, mas espalhar, nos pontos necessários, as faixas pelas ruas é o primeiro caminho. Não sou especialista em trânsito, mas acredito que nos bairros, em pontos estratégicos, deveriam existir mais faixas. Assim, as crianças vão crescendo e acostumando com elas.
                
- Uso das vagas de estacionamento para idosos ou portadores de necessidades especiais. A importância destas vagas é indizível. Agora, para sua eficácia depende muito mais de quem não depende, diretamente, dela.
                
- Existência ou seria melhor dizer, a inexistência, de espaços públicos de lazer. Uma das características do mundo atual é que as ruas e lotes não podem mais ser usadas como espaço de lazer. Nas ruas o aumento do tráfego de veículos impedem tal procedimento por parte das crianças. Lotes vazios, praticamente não existem mais. Estes espaços acabaram, quais foram as contrapartidas? Simplesmente não existem. Assim, perdidas, as crianças ficam perambulando de lugar em lugar, inventando "moda" ou se trancando em casa, "curtindo" o fantástico mundo do faz de contas da vida real, entre jogos e jogos.
                
- Freqüentar ambientes culturais. Sem relativizar o conceito de cultura, quero usá-lo como sendo um meio pelo qual o ser humano se torna uma pessoa melhor, mais culto, mais intelectual... lugar onde se torna possível desenvolver suas potencialidades e incentiva o desenvolvimento da criatividade. Quantas crianças vão nascer, crescer, desenvolver... sem nunca ter freqüentado um espaço com esta finalidade. Podemos cobrar dela o gosto pela arte? O gosto pela cultura? E quais serão as atitudes e comportamentos destas pessoas totalmente alheios a este mundo cultural?
                
Cuidar das cidades, significa cuidar das pessoas. Cuidar do espaço urbano, significa incentivar o comportamento das pessoas. Só assim, nossas relações conquistarão indicadores mais aceitáveis e compatíveis com a maneira digna de se viver humanamente.

Walber Gonçalves de Souza é professor.

(Artigo publicado simultaneamente nos jornais: 
Diário de Caratinga, Diário de Teófilo Otoni e Diário de Manhuaçu, dia 16/05/15.)

sábado, 9 de maio de 2015

Transparência que não mostra nada
Walber Gonçalves de Souza


         
"Quem não deve não teme". Um dos ditados populares mais falados e conhecidos. E é justamente com base nele, que não consigo entender tamanha falta de transparência de tudo aquilo que envolve as coisas públicas no Brasil.
              
A partir do pensamento Iluminista, corrente político/filosófica, que dominou  a Europa no século XVIII, a vida pública e privada ganha conotações distintas. O direito à propriedade e a privacidade ganham espaço e ao mesmo tempo o sentido de se fazer política, também destaco o direito de cada cidadão poder votar, e a criação, por Montesquieu, da Teoria dos Três Poderes - executivo, legislativo e judiciário - basicamente e teoricamente, conforme acontece hoje no Brasil. Digo teoricamente, pois em nossa nação, teoria e prática não são percebidas e vivenciadas na mesma proporção.
             
 Mas, o que tudo que escrevi até agora tem a ver com transparência?
             
 Ao escolher, através do voto, aqueles que irão nos representar, administrando grande parte daquilo que é público, esperamos poder contar com algumas coisas e entre elas, sem sombra de dúvidas, a transparência. Mas, por que ela é tão temida?
             
Como cidadão, eleitor, pagador de impostos... só me resta pensar uma resposta, para tal pergunta: a transparência é temida pois a falta dela esconde tudo de podre que está presente na vida pública da nossa cidade, estado e país.
             
 Quando todos aqueles, que de uma forma ou outra, envolvem-se com coisas públicas, tais como, licitações, prestações de serviços, fornecimento de produtos diversos... entre outros, e teme a transparência, no mínimo, é uma atitude eticamente condenável e que permite as mais inquietantes dúvidas. Sendo mais direto, por viver em terras tupiniquins, a falta de transparência é a porta de entrada de todos os males que corroem nossa sociedade, permitindo-nos pensar que ali ocorreu mais uma prática em que a corrupção esteve envolvida.
             
 Inexistente, de fato. Tem se tornado motivo de intermináveis polêmicas, processos, jogos de cena... chegando ao ponto de ser percebida como uma total falta de respeito, perante todos aqueles que queiram saber os detalhes da vida pública.
              
Todos os dias, acompanhamos pelos noticiários locais, estaduais e nacionais, escândalos das mais variadas formas e em todos eles a transparência das informações não está presente. Esconde-se tudo, nega-se tudo... há uma ojeriza pela transparência dos fatos, das informações.
               
Acredito, que seria muito mais autêntica, a vida pública, se todas a pessoas que almejassem saber o que acontece nos bastidores do poder, tivessem acesso as informações,  sem rodeios, sem relatórios faz de conta, que dizem mostrar tudo, mas que na verdade não nos permite saber, pelo menos em que o nosso dinheiro está sendo gasto.
              
Sei que alguns, ao lerem este artigo, poderão se perguntar, e a Lei da Transparência, não tem este objetivo? A lei sim, mas lanço aqui um desafio, procure se informar de algum escândalo que tenha acontecido nos últimos anos no seu município e busque todas as informações referente a ele. Vá na prefeitura e/ou na câmara de vereadores protocole o seu pedido de informação e veja o que vai acontecer. Se você irá receber as informações que procura. E caso receba alguma resposta do seu pedido, observe se é suficiente para entender e desvendar o escândalo que você almeja ver resolvido.
              
É inacreditável, mas é a mais pura e cruel realidade. A falta de transparência virou rotina, um vício enraizado nas repartições públicas do nosso país. De acordo com a lei temos o direito de saber, de praticamente tudo, que acontece na esfera pública, mas na prática, a realidade é outra, esconde-se as informações, mente-se, engana-se, falsifica-se... e quando a transparência diz acontecer, ela fica tão transparente que não se vê nada.
              
Se for possível afirmar, que o dito popular, mencionado acima é verdade, chegaremos a triste conclusão que estamos sendo assaltados todos dias, por aqueles que deveriam cuidar do que é nosso. Pelo visto, pelo que parece, o medo da transparência, é fruto do temor de todos saberem que a vida pública, virou um pseudônimo, infeliz, para as questões que envolvem, a vida particular de alguns.


Walber Gonçalves de Souza é professor do Centro Universitário de Caratinga.
(Artigo publicado simultaneamente nos jornais: 
Diário de Caratinga; Diário de Manhuaçu e Diário de Teófilo Otoni no dia 09/05/15)