O espaço urbano ditando o comportamento
humano
Ao
tentar decifrar os seres humanos, geralmente tomamos dois caminhos: um, levando
em consideração os aspectos natos, portanto biológicos, aqueles que estão impregnados
no nosso DNA, nossa carga genética; já o outro, procura interpretar o ser
humano, observando a sua relação com o meio em que vive, as influências que
sofre, os desejos e as vontades que possuem e as experiências adquiridas ao
longo da sua própria existência.
Isto
não quer dizer que seja uma tarefa fácil. Acredito que nunca será. Mas são
tentativas, de alguma maneira, de dar respostas a indagações que inquietam a
humanidade, fazendo o ser humano, mesmo que vagarosamente, descobrir a si
mesmo.
Dentro
deste objetivo, de tentar colaborar neste processo de nos decifrar, e entre as
várias opções de análise, focarei o olhar no espaço urbano e a partir dele
refletir alguns dos nossos comportamentos.
Viver
coletivamente, não é uma escolha humana, faz parte da nossa natureza. Por
inúmeros motivos temos que viver juntos, criando relações, elos... grupos. Ao
longo dos séculos, estes grupos, foram se aperfeiçoando, criando identidade,
formando aldeias, tribos, comunidades, povoados, cidades... fazendo do espaço
em comum, o local de encontro dos indivíduos, o local em que a vida se mistura
com tantos outras vidas e forma a sociedade.
O
espaço urbano, o espaço da vida em comum, é o meio, o lugar em que as influências
acontecem, os pensamentos se emolduram, a existência se gasta. E como somos
influenciados pelo meio, automaticamente, somos direcionados pelo espaço em que
vivemos. Daí a importância de se cuidar das cidades, pois muitos dos nossos
comportamentos nascem justamente de como ela é.
Muitas
vezes, através de conversas entre amigos, expomos algumas situações que
gostaríamos de ver acontecendo. Principalmente, quanto se trata da vida em
sociedade. Mas será que nossas explanações são realizáveis? Analisaremos
algumas situações que observamos com freqüência no dia a dia das nossas cidades:
- Andar
pelas ruas em detrimento às calçadas. Geralmente, nas ruas que traçam as nossas
cidades, principalmente, as pequenas e médias cidades, quase não observamos a
existência de calçadas. Quando digo calçadas, digo calçadas mesmo, dentro de
padrões aceitáveis de circulação de pessoas e não uma pequena faixa de terra coberta
por uma fina camada de concreto. Quando olhamos para os bairros periféricos
esta realidade se acentua ainda mais. As poucas calçadas que existem, são em
sua maioria, irregulares, mal feitas, cheia de empecilhos para que os
transeuntes circulem de maneira minimamente confortável e sem riscos de
tropeços e quedas.
- Jogar
lixos pelas ruas. Uma das frases mais ditas nos educandários, relacionados ao
lixo é: "lugar de lixo é no lixo". Subentende que o lugar de jogar o
lixo são nas lixeiras e não no chão. Mas andando pelas ruas, dos nossos
municípios, poucas são as lixeiras encontradas. Nos bairros são praticamente
inexistentes.
- Fazer
a travessia na faixa de pedestre. Respeitar as leis do trânsito ainda não é uma
realidade. Como já disse anteriormente, nossas ruas não ajudam muito, mas
espalhar, nos pontos necessários, as faixas pelas ruas é o primeiro caminho.
Não sou especialista em trânsito, mas acredito que nos bairros, em pontos
estratégicos, deveriam existir mais faixas. Assim, as crianças vão crescendo e
acostumando com elas.
- Uso
das vagas de estacionamento para idosos ou portadores de necessidades
especiais. A importância destas vagas é indizível. Agora, para sua eficácia
depende muito mais de quem não depende, diretamente, dela.
-
Existência ou seria melhor dizer, a inexistência, de espaços públicos de lazer.
Uma das características do mundo atual é que as ruas e lotes não podem mais ser
usadas como espaço de lazer. Nas ruas o aumento do tráfego de veículos impedem
tal procedimento por parte das crianças. Lotes vazios, praticamente não existem
mais. Estes espaços acabaram, quais foram as contrapartidas? Simplesmente não
existem. Assim, perdidas, as crianças ficam perambulando de lugar em lugar,
inventando "moda" ou se trancando em casa, "curtindo" o
fantástico mundo do faz de contas da vida real, entre jogos e jogos.
- Freqüentar
ambientes culturais. Sem relativizar o conceito de cultura, quero usá-lo como
sendo um meio pelo qual o ser humano se torna uma pessoa melhor, mais culto,
mais intelectual... lugar onde se torna possível desenvolver suas
potencialidades e incentiva o desenvolvimento da criatividade. Quantas crianças
vão nascer, crescer, desenvolver... sem nunca ter freqüentado um espaço com
esta finalidade. Podemos cobrar dela o gosto pela arte? O gosto pela cultura? E
quais serão as atitudes e comportamentos destas pessoas totalmente alheios a
este mundo cultural?
Cuidar
das cidades, significa cuidar das pessoas. Cuidar do espaço urbano, significa
incentivar o comportamento das pessoas. Só assim, nossas relações conquistarão
indicadores mais aceitáveis e compatíveis com a maneira digna de se viver
humanamente.
Walber Gonçalves de Souza é
professor.
(Artigo publicado simultaneamente nos jornais:
Diário de Caratinga, Diário de Teófilo Otoni e Diário de Manhuaçu, dia 16/05/15.)
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