domingo, 27 de dezembro de 2015

Artigo Diário de Caratinga

O verde está ficando cinza
Walber Gonçalves de Souza

                Encontramos uma terra em que se plantando tudo dá. Esta foi uma das características apontadas por Caminha, escrivão da esquadra de Cabral em 1500, para descrever o local que eles acabam de "achar". Desta maneira ele quis demonstrar uma das qualidades daquelas terras recém "descobertas".
                As cores nacionais estampadas na nossa bandeira demonstram nossas riquezas, mas neste texto destacarei uma, o verde que representa toda a diversidade ambiental do nosso país, nossas matas e sua biodiversidade.
                Associando o pensamento de Caminha e o verde da bandeira, podemos chegar a uma conclusão: ambas retratam a abundância das nossas riquezas naturais e como passamos a ser vistos e reconhecidos mundialmente.
                Mas a abundância que em si é algo positivo, pois a própria expressão indica fartura, riqueza, transmite a sensação de uma quantidade de algo que extrapola as necessidades momentâneas, portanto induz à segurança, ao conforto, cria uma sensação de que tudo está bem, pois nada há de faltar.
                Mas por outro lado pode-se tornar uma problema, pois ao entrar na zona de conforto corremos o risco de deixar de tomar medidas que são necessárias para a manutenção e até mesmo para aumentar  tudo aquilo que já tínhamos em abundância.
                Dito tudo isto, vejamos o que aconteceu no nosso país: durante anos ficamos extraindo uma árvore, que ganhou o nome de pau-brasil, pensando que nunca iria acabar, o resultado é que há resquícios de mata atlântica aqui e acolá e muitos brasileiros nem conhecem esta famosa planta. Pelo visto não aprendemos a lição e estamos fazendo a mesma coisa com a floresta amazônica. Como aqui em se plantando tudo dá, nossos práticas provocaram o esgotamento do solo de parte do nordeste brasileiro, ao cultivar durante décadas a cana de açúcar, depois fomos para a região sul e continuamos com a mesma forma de manejo tendo com base a monocultura. O  desfecho foi,  regiões que apresentam alto índice de áreas desertificadas, "terra morta". E pelo visto a história tende a se repetir na região centro-oeste.
                A região sudeste não passou despercebida aos olhares evolutivos do ser humano. Somos a região da política do café com leite, portanto duas práticas de desenvolvimento econômico ligadas diretamente ao meio ambiente, ou seria ao descaso do uso dele, os dias atuais respondem a esta inquietação! Mas não podemos esquecer  algo muito pertinente ao momento presente que tem sua raiz em épocas remotas, recordemos o ciclo do ouro, que acabou ganhando a companhia de outros minerais, ratificando ainda mais o nome do nosso estado Minas Gerais, muitas minas em todos os lugares. O desfecho de tudo isto, pergunte aos moradores  das margens do Rio Doce e encontrará a resposta.
                Somos a caixa d'água do planeta. O paraíso na terra. Nunca vai faltar água por aqui. Nossos rios são abundantes. Enfim, quantas afirmativas deste tipo você já ouviu? Aposto que além destas tantas outras. Mas onde está a água? Que angústia estamos vivenciando nos nossos lares. Muitas vezes a torneira insiste em ficar silenciosa. Quem sabe o silêncio dela não é uma alerta para a nossa consciência.
                Nossa maior riqueza, a abundância, transformou-se no nosso maior problema. Pois criou uma mentalidade de que podíamos viver de qualquer forma, de qualquer jeito, sem se preocupar com nada. E assim anos após anos fomos desenvolvendo, criando, mudando sem nenhuma preocupação com as conseqüências que os nossos atos poderiam provocar ao meio ambiente, ao equilíbrio do ecossistema.
                O conceito de Desenvolvimento Sustentável é muito pertinente pois sinaliza posturas que deveríamos ter para continuar nosso processo de desenvolvimento mas de forma consciente. Ensina-nos que a abundância que temos merece ser bem administrada para continuar existindo e sendo fonte de possibilidades para que cada um de nós também possa continuar existindo.  
                O verde que simboliza nossa biodiversidade não pode perder a sua cor. Caso  contrário num futuro muito próximo teremos que mudar a cor da nossa bandeira, o verde está ficando cinza.


Walber Gonçalves de Souza é professor do Centro Universitário de Caratinga - UNEC.

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