terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Artigo publicado no Jornal Diário de Caratinga

CUIDE DO SEU BAÚ
Artigo publicado (02/02) no Jornal Diário de Caratinga.


Em tempos idos era comum a prática de se guardar tudo. Qualquer coisa que fosse não era descartado, pois se acreditava que em algum momento poderia ter alguma serventia. A lata de massa de tomate depois de usada virara caneca, que de tanto usar furava e acabava tornando-se um suporte de prender as antigas vassouras feitas de um tipo de mato, muito usada nas roças para varrer os terreiros. Os pinicos viravam vasos de plantas, as sacolas de leite transformavam-se em forros de mesa, as roupas de filho em filho transfiguram-se em panos de limpeza. Tudo durava literalmente até acabar, portanto, as mais diversas experiências tornavam-se mais duradouras.
Assim, ao longo da vida as pessoas, mesmo sem perceber, colecionavam um pouco de tudo. E as coisas mais importantes acabavam ganhando um destino especial, os baús ou em outros casos uns grandes caixotes de madeira, muito comum nas antigas casas rurais.
Estes baús gradativamente vão se preenchendo de tudo aquilo que de alguma forma carrega consigo um valor que vai além da própria matéria dele constituída. As fotos marcam o tempo e levam consigo as lembranças dos momentos que ali se eternizaram, pois por serem únicos não se repetirão. As roupinhas dos recém-nascidos, os primeiros dentes, os primeiros cabelos cortados, os anéis, as alianças de casamentos dos avós, pais, padrinhos, os lenços, as canecas… Enfim, tudo aquilo que de alguma forma representa algo imaterial: as lembranças, os sentimentos, as saudades, a personificação das pessoas queridas.
O mês de fevereiro pode ser caracterizado pelo mês em que muitas pessoas despertam para a abertura da tampa dos seus baús. Quantos estão deixando as suas casas, suas famílias em busca de novos dias, de novos planos. Abrindo as portas dos seus baús para guardarem as lembranças da convivência com outras pessoas, novos ambientes, novos aprendizados.
E aos poucos o nosso baú deveria ser preenchido pelo bem mais precioso, e que nenhum ouro do mundo paga, nenhum apagador apaga e nenhum ladrão nos rouba: o conhecimento; que provém das nossas experiências, das nossas leituras, dos diálogos, dos nossos estudos, das observações que fazemos das coisas que nos rodeiam.
E por que o conhecimento se torna importante para a nossa vida? Porque além de ser uma das chaves do nosso baú será também o combustível que nos dará força para quando for a hora de termos coragem de limpar o baú.
Pois como todo recipiente chega um instante que ele começa a ficar lotado. Num primeiro momento vamos apertando aqui, ali, e tentando de alguma forma introduzir aquilo que queremos guardar, mas chega uma ocasião que começamos a perceber que a tampa não está fechando direito, que está lotado demais, até que não dá mais e verificamos que é preciso parar para cuidar do baú.
Tirar tudo para fora, conferir peça por peça e ver dentre aquelas quais merecem ocupar novamente o espaço do baú. Sobre algumas coisas ficaremos em dúvida se vale a pena guardar novamente ou não, outras teremos certeza que já não vale a pena mantê-las ali e tantas outras terão eternamente o seu espaço cativo. Pois a vida é assim, o conhecimento vai nos mostrando o que de fato tem importância para a nossa vida, para a nossa história, para a nossa existência e o que representa apenas um momento, importante quando aconteceu, mas que não vale a pena ficar simbolicamente eternizado.
Assim, quando completamos o nosso ciclo biológico na terra e os primeiros dias de luto dos familiares passam, um dos primeiros lugares a serem mexidos e remexidos é o baú de quem nos deixou. Pois dele com certeza brotarão as principais lembranças de toda a nossa vida.
Cuidar do nosso baú significa cuidar da nossa vida. O conteúdo do baú refletirá e muito o que fomos, o que acreditamos, nossas qualidades e mazelas. Cuidar do baú significa cuidar de nós mesmos. Uma vida não cabe em um baú, o que cabe são alguns momentos, algumas histórias, algumas marcas, aquilo que realmente somos. Não percamos a coragem e zelo de cuidar do nosso baú.
Walber Gonçalves de Souza é professor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário