quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Artigo do Jornal Diário de Caratinga

O GRITO DO SEM VOZ

O Brasil é uma terra em que se plantando tudo dá. Não necessariamente com estas palavras, mas com este sentido foi que Pero Vaz de Caminha relatou no seu diário de bordo ao descrever o paraíso terrestre que ele acabava de se deparar, como maneira de apresentar para a coroa portuguesa as terras recém-conquistadas.
Deste fato, marcante para a nossa história, até este momento em que este texto está sendo lido uma triste realidade nos acompanha, dia a após dia estamos sendo dilapidados das nossas riquezas materiais e imateriais.
Do pau-brasil ao petróleo… nada vem sendo transformado, de forma contundente e sistemática para a melhoria de vida do povo brasileiro. Observamos em determinados momentos, ao longo dos séculos, fenômenos econômicos que nos dão a sensação que as coisas estão melhorando… tende-se a acreditar que agora vai, o Brasil entrou nos trilhos… mas como um relâmpago a claridade dura pouco, o que fica mesmo, sem nenhum trocadilho, é a falta de luz.
Riquezas são geradas a todo o momento, recursos naturais sendo extraídos como se nunca tivessem fim. Mas poucos são os grupos, as pessoas que se beneficiam dela, um expressivo número de brasileiros vivem em condições tão subumanas que o internacionalmente conhecido o cantor Caetano Veloso, em uma das letras das suas músicas, chegou um dia a fazer menção que o Haiti é aqui.
Alheios e excluídos vivemos ao som dos eternos slogans que fazem acreditarmos que as coisas podem ser diferentes. Um dia aparece o “pai dos pobres”, transforma tudo em ditadura velada, sarcástica, em seguida nos induzem a acreditar que em cinco anos teremos a sensação que avançamos cinquenta, noutro como um super herói que aparece de forma irradiante faz estrondar sua profecia de meliante sou o “caça marajás”, mas que se torna um deles, se é que já não era antes. Anos passam… surgem “o país sem miséria” e o “Brasil: país de todos”, de todos quem cara-pálida? De todos aqueles que carregam uma estrela na testa, os aprendizes do sistema… e o por fim a “pátria educadora” que parece ter com objetivo central a “formatação” de analfabetos funcionais. É duro, cruel, mas o retrato sinistro e literário da realidade da nação brasileira.
Feito um toque de mágica, um dia olharam para nós e de forma prepotente ousaram a afirmar que não tínhamos alma, éramos seres desalmados, portanto, bichos. Pior não foi terem pensado assim, mas agirem conforme este pensamento. Fomos tratados como animais. Quando tudo parecia resolvido, as senzalas foram construídas, os troncos empinados, os chicotes artesanalmente produzidos e com eles os gritos, choros, lágrimas de dor e tristeza.
O processo de formação das cidades, que engendram a teia populacional do nosso país, representa de forma perfeita como tão grande é a nossa desigualdade. Em qualquer lugar que nos encontremos, do Oiapoque ao Chuí, observaremos um nicho de “desenvolvimento” envolto por um cinturão de pobreza, injustiça, mazelas… Nossas cidades, e tudo que acontece nelas, representam fielmente o que somos, como pensamos e agimos.
Existe no Brasil uma mordaça que impede que o grito dos sem voz, feito em desabafo ou protesto, ecoe estrondosamente em todas as direções. Os desalmados gritaram em vão e encontraram na extinção o seu fim, os chicoteados desfiguram-se pelos mais diversos tipos dos sincretismos e metamorfoses sociais, os citadinos deslumbrados pelos deuses da contemporaneidade, parecem nem querer gritar mais, e quando ocasionalmente isto acontece é tratado como um ninguém. Pois tentam vender a ideia que o grito não vem dos que berram.
Nossa história é longa, muitas seriam as situações a serem descritas que mostram que além da riqueza natural, material, tentaram e tentam dia a apos dia sugar de nós, brasileiros, nossa dignidade, nossa esperança, nossa identidade, nossa alma… tudo que faz parte da riqueza imaterial de um povo.
Mas o gostoso da história é perceber que tantos outros povos conseguiram destruir as mordaças que os asfixiavam… e gritaram, gritaram, gritaram tão alto que até quem gritou passou a acreditar nas suas verbalizações transformando-as em atitudes. Que este dia não demore a chegar por aqui!
Walber Gonçalves de Souza é professor. 

(Artigo publicado no Jornal Diário de Caratinga 18/08)

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