sábado, 16 de abril de 2016

Artigo publicado

### SENTADO NO SOFÁ ###

Artigo publicado hoje (12/04) no Jornal Diário de Caratinga.



João resume bem quem é o cidadão brasileiro. Estudou em escola pública, vive em uma cidade de porte médio no interior de Minas Gerais, é casado e pai de duas filhas. Sai todos os dias para trabalhar em busca de satisfazer as necessidades inerentes a todo ser humano, que é o sustento dele e de sua família.
A família de João se enquadra na denominada “nova classe média”. Possui casa própria, um carro modesto para poder locomover-se, consegue viajar uma vez por ano de férias, pode-se dar ao luxo de esporadicamente fazer um churrasquinho na laje, reunindo os amigos ao som da música sertaneja, pagode ou algo similar.
João em especial tem um costume que faz com que ele seja pertencente a um pequeno grupo de brasileiros que gostam de ler. No Brasil, poderíamos dizer que são as exceções da regra, pois como sabemos o brasileiro lê pouco. João gosta de informar-se dos fatos que estão acontecendo, de ler os jornais, revistas, de ver os telejornais, busca um canal aqui outro li, sempre em busca de alguma notícia, de algum ponto de vista, de alguma opinião sobre os fatos do dia. Metodicamente ele sempre faz isto sentado no sofá. Todos os dias ao cair da noite, lá está João bem acomodado no sofá curtindo suas notícias.
Até mesmo aos domingos o ritual da leitura acontece, o único diferencial é que na sua cidade há um semanário que é publicado aos domingos. Assim, além dos jornais diários, no domingo ele vai em busca de novas fontes e suas percepções da realidade.
Entretanto, João tem notado algo estranho ao se deparar cotidianamente com as notícias que mereceram uma reflexão. João começou a perceber que as informações que ele recebia na verdade não o informava, mas demonstrava o quanto a sua cidade, o seu país estão à beira de um colapso de informações, sempre guiadas numa mesma direção, que dizem ser a verdade, mas mostrando lados totalmente antagônicos e impossíveis de serem unidos num mesmo entendimento.
Numa noite, João estava vendo um programa de entrevistas com dois professores de duas universidades renomadas do nosso país, um da USP e o outro da UFMG. O tema tratado no programa era a situação atual do governo federal. Os dois professores defendiam lados distintos, enquanto um usava a constituição para defender o impeachment da presidente o outro usava o mesmo livro para dizer que o impeachment era algo errado.
Noutra noite, João estava lendo sobre os trabalhos realizados pela Operação Lava Jato. Num artigo um renomado jurista e articulista defendia os atos do juiz Sérgio Moro, num outro, um também renomado jurista e articulista dizia que o mencionado juiz está agindo de forma inconstitucional, portanto, agindo de forma errada.
João começou a notar também que sempre quando estava na roda de amigos e algum assunto aparecia, geralmente envolvendo política como tema, acontecia algo esquisito. Dependendo do grupo a sua opinião era tratada como algo que merecia a atenção, bacana, de ideias corretas. Já em conversa com outro grupo, mas mantendo a mesma opinião, seu ponto de visto era visto como algo de gente que não pensa, que segue tudo que a mídia fala, que ele não conseguia pensar por si só, portanto, de gente desinformada, alienada, burra.
Aos poucos João foi percebendo que o que de fato importava não era a sua opinião, mas o que as pessoas queriam ouvir. Se suas opiniões vinham ao encontro ou não dos interesses dos ouvintes. Reflexivo, João começou a notar que cada um dos grupos muito mais que a verdade estava apenas querendo que as pessoas concordassem com as suas convicções, independente se corretas ou não.
Na crise da informação e opinião, João não queria ficar desinformado, mas ao mesmo tempo passou a perceber que as informações nem sempre estão baseada na verdade, naquilo que é ou deveria ser o correto.
Sentado no sofá João passou a ficar perplexo como o Brasil perdeu o norte daquilo que é certo ou errado. Ele sabe que o contraditório é essencial, necessário e que faz o pensamento desenvolver-se. Mas João sabe também que quando o contraditório é baseado em mentiras não há argumentações que a justifiquem. O problema é saber quem está sendo mentiroso e leviano. Do sofá fica difícil saber quem é quem.
Sentado no sofá, lendo ou vendo algum telejornal, João já não sabe mais em quem acreditar, pois todas as informações sempre são alicerçadas por pessoas que pelo menos merecem a sua consideração.
Walber Gonçalves de Souza é professor.

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