quinta-feira, 26 de maio de 2016

Publicação: Diário de Caratinga (10/05)

O PÉ DE CAFÉ E O CAVALO ARREADO
Há quase dois séculos surgia entre pequenos montes um vilarejozinho. Poucas casas compunham a paisagem daquele lugar.  Via-se córregos com águas cristalinas, uma floresta exuberante, recheada de uma vasta diversidade de plantas e animais. Em especial, para dar um toque de beleza, notava-se uma imensa pedra, sua presença era radiante e do seu alto se conseguia avistar lugares até onde a vista não conseguia mais alcançar.
Aos poucos este lugar foi se transformando, aparecia um arraial aqui outro acolá. Uma casa sendo erguida aqui, outra acolá. Em volta das casas, um curral, uma capela, uma quitanda e tantas outras casinhas, que aos poucos iam dando novas formas àquele lugar.
Gradativamente o verde estava sendo substituído pelo vermelho do chão, o marrom das madeiras cortadas, o branco das casas de barro. A transformação corria num ritmo acelerado e inevitável.
Na toada do desenvolvimento as pessoas iam se aglomerando e aquele que um dia foi um pequeno arraial passa a ser chamado e reconhecido como cidade. O cenário já não é mais o mesmo, a paisagem se mostra com outras cores, cheiros e sabores. O aparente progresso parece tomar conta das pessoas, dos seus sonhos, desejos e vontades. A vida aos poucos começa a tomar outra direção.
Em meio a todas estas transformações uma novidade chega do oeste paulista, novidade esta que mudou o rumo histórico e social daquele que um dia já foi um pequeno arraial. As primeiras mudas de café começam a ser plantadas na região. Passados poucos anos a textura do município se confundia com um enorme tapete verde. Já são milhares de pés de café espalhados por várias partes.
Com o tempo surgem vários produtores, o negócio era plantar café, pois aí estaria o segredo do sucesso. A princípio foi mesmo e várias lavouras podiam ser vistas em todos os lugares. A economia do município passou a girar em torno da atividade cafeeira: fazer muda, plantar e colher o café. Criando um comércio praticamente dependente desta mesma atividade econômica.
Paralelamente ao crescimento deste município tantos outros espalhados na mesma nação também passavam pelo seu processo de mudanças. Uns com outras atividades agrícolas, outros com atividades industriais e tantos outros com prestações de serviço. Cada cidade desenvolvia-se com suas potencialidades e características.
Mas em meio a toda esta situação algo inusitado começou a acontecer. Várias pessoas de outros lugares queriam transferir-se para a cidade do café. Pois ela aparentava ser próspera, economicamente ativa, poderíamos dizer que se encontrava dentro do fluxo do desenvolvimento da época.
Aos poucos foram chegando propostas, entre elas a criação de uma grande indústria de siderurgia; um parque aquático; a fábrica de um famoso refrigerante; universidades e/ou institutos federais. Muitas pessoas de alguma forma enxergavam algum potencial por aqui. Mas todos foram barrados, não tiveram suas ideias bem vistas e bem quistas por aqui. Suas propostas não foram aceitas. E o que todas estas propostas tinham em comum? Gerariam novos postos de emprego, daria um novo ritmo econômico, incentivariam uma nova mentalidade cultural, educacional e social.
E por que elas foram barradas? Talvez a resposta esteja nas mãos de cada um dos “catadores” de café. Pessoas que durante anos e anos, escondidas atrás de cada pé de café, viviam no anonimato, sem rosto, sem vez e sem voz. Com o sucesso das propostas, novos postos de trabalho trariam concorrência pela mão de obra, poderia torná-la mais cara, escassa. E isto não seria interessante para quem, décadas pós décadas, como coronéis, sugam e exploram de forma desumana a força de trabalho.
Nesta cidade, que nasceu de um arraial o “cavalo arreado” passou algumas vezes, talvez ele volte a passar novamente, mas em nenhuma delas conseguimos executar uma decente montaria. Preferimos ininterruptamente ficarmos no entorno de todas as glórias e mazelas do pé de café. Lembrando sempre que as glórias foram para poucos e as mazelas para muitos. Situação que pode ser comprovada pelo retrato social desta cidade.
É claro que a culpa não é do pé de café, mas daqueles que trataram e tratam esta cidade com o cérebro do tamanho de um grão de café. Nesta cidade a ditadura não acabou, os coronéis ainda vivem e reinam!
Walber Gonçalves de Souza é professor.

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